EU E EU MESMA
domingo, 2 de outubro de 2011
Eu tenho, algum dia, no oceano,
(Mas eu não sei mais se debaixo de que céus),
Lançado, como não me oferecendo ao nada,
Todo um pequeno precioso vinho...
Quem quis esta perda, oh licor?
Eu obedeço, talvez ao vidente?
Talvez para a preocupação de meu coração,
Pensando em sangue, vertendo-me vinho?
Em transparência habitual
Depois da fumaça rosa
Recupera-me como o mais puro mar...
Perdido o vinho, misturado entre as ondas!...
Eu cuidei de saltar meu ar amargo
Das faces mais profundas... ( Paul Valery, O VINHO PERDIDO)
(Clarice Lispector, O Livro dos prazeres ou uma Aprendizagem)
quarta-feira, 15 de dezembro de 2010
Meu Glorioso Pecado II
Quantas horas felizes, quantos dias
nos contemplamos sem jamais trocar
uma frase! - Eu temia... Tu temias...
Mas como era expressivo nosso olhar!...
Nem uma frase! E tantas melodias
no meu, no teu silêncio, no do mar,
no do céu, no das árvores sombrias,
como tudo se amava sem falar!
Trocamos o vocábulo e (oh! tristeza!)
Quantas injúrias, que contradição
nessas palestras de alma em ciúme acesa!
Ah! se mudos ficáramos então,
não profanara o orgulho e a singeleza
das palavras sem voz do coração!
GILKA MACHADO
domingo, 4 de julho de 2010
Me deito na terra
E solto uma palavra:
LUA.
Nua,
Sou eu que penteio o mar,
Nos dedos desfaço ondas,
Deste meu disperso cabelo.
ESTRELAS.
É vê-las
Cair sem esperanças de voltar,
Quando estou a chorar
Sonhos acordados
Saudades.
Saudades de ti;
Que ao contrário de mim,
Te vestes com dia
E deitando-te na terra,
Soltas outra palavra:
SOL.
E eu estou do outro lado.
Susana Júlio, in Riscos que ficaram no Tempo, Som da Tinta
sexta-feira, 25 de junho de 2010
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
Quais são os escritores que nos enriquecem? Penso que isso é diferente para todos. Penso que lemos muito subjetivamente. Lemos aquilo de que precisamos. Há quase uma força obscura que nos guia para determinado livro numa determinada altura; depois criamos problemas quando tentamos racionalizar isso e dizemos que este escritor é bom e aquele escritor é mau. Nunca fui capaz de dizer isso. Compreende, não posso dizer que Simone de Beauvoir seja má escritora, mas posso dizer que não me enriquece. O que é uma afirmação totalmente diferente. E penso que isso varia muito. Elaborei uma lista de escritoras e dos seus livros que me enriqueceram. Mas não é uma seleção literária. É uma seleção puramente subjetiva e a sua podia ser totalmente diferente. Perguntam-me muitas vezes o que penso acerca de Simone de Beauvoir, o que penso acerca de The Golden Notebook, e é-me sempre difícil responder. Não os considero livros enriquecedores, porque me repetem incessantemente como as coisas estão, mas nunca me mostram como posso mudá-las. Logo, quando Simone de Beauvoir escreve um livro acerca do envelhecimento, ela está a curvar-se à idade cronológica e a dizer que em determinada altura ficamos velhos. Mas nós às vezes ficamos velhos aos vinte anos. A idade é outra coisa que temos de transcender e de encarar com outra atitude. Não é cronológica. E penso o mesmo em relação à descrição de coisas tal como elas são, sem uma abertura que nos diga para onde podemos ir a partir dali ou como podemos transcendê-las, que encontro naqueles que chamo os escritores enriquecedores. É por isso que, quando não estou apaixonada por escritores, digo sempre que posso respeitar as suas ideias, mas que não me dão o sentimento que me empurra para a vida. (Anais Nin)
segunda-feira, 25 de janeiro de 2010
Encheram profunda taça e envolveram-se em fervor.
Ficou-lhes na boca — presa ao crescente desejo
de mais beberem, de mais conhecerem — o sabor
da outra Vida maior, onde os levara o ensejo
de ultrapassarem a carne. Em solidão limitados,
num barco sem dia a dia, compromissos ou tratados,
singram velozes sem tempo, definidos pela estrela
que lhes indica, serena e nitidamente, o norte.
Encheram de novo a taça; incha mais a panda vela.
E para serem iguais, apenas lhes falta a Morte!
Quem? A eternidade.
É o mar misturado
Ao sol.
Minha alma imortal,
Cumpre a tua jura
Seja o sol estival
Ou a noite pura.
Pois tu me liberas
Das humanas quimeras,
Dos anseios vãos!
Tu voas então...
— Jamais a esperança.
Sem movimento.
Ciência e paciência,
O suplício é lento.
Que venha a manhã,
Com brasas de satã,
O dever
É vosso ardor.
Ela foi encontrada!
Quem? A eternidade.
É o mar misturado
Ao sol.
Arthur Rimbaud
domingo, 4 de outubro de 2009
Tinha no olhar cetíneo, aveludado,
A chama cruel que arrasta os corações,
Os seios rijos eram dois brasões
Onde fulgia o simbolo do Pecado.
Bela, divina, o porte emoldurado
No mármore sublime dos contornos,
Os seios brancos, palpitantes, mornos,
Dançavam-lhe no colo perfumado.
No entanto, esta mulher de grã beleza,
Do destino fatal, presa, morria
Uma noute entre as vascas da agonia
Tendo no corpo o verme do pecado!
(Augusto dos Anjos)
sábado, 1 de agosto de 2009
O outro eu
Sou eu
Que não me reconheço.
Que deliberadamente
Esqueço
O que na
Mente
Escondo.
Pois
Se pela parte
Que aflora
Eu respondo,
Pela que submerge
Os atos manifestos
Não seriam propriamente meus;
Pois em vez de me revelar
Deus,
Como eu desejo e sonho,
Viria à tona o que tanto temo:
Um demônio.
(jjLeandro )
terça-feira, 7 de abril de 2009
domingo, 24 de agosto de 2008
Não sei quem os escreveu...
A ÚNICA COISA QUE EU SEI É QUE A MINHA ALMA GEME NO SILENCIO DOS MEUS PENSAMENTOS, É UM GRITO SURDO, UMA DOR SEM DOR, UM MEDO CONFUSO... SAUDADES DO SEU AMOR?
NÃO HÁ COMPREENSÃO PARA O QUE SINTO...
ENTÃO, DEIXO AQUI OS VERSOS TRISTES QUE ME FALARAM À ALMA
CHOREM COMIGO....
[...]
Tanto nos amávamos
Tão próximo tínhamos os corações
O seu batimento era tão alegre e doce
que partilhavam veias
Artérias
... E sangue
Se necessário fosse
Tanto nos amávamos
tão próximo tínhamos os corações
Que sentíamos os mesmos desejos
Viviamos as mesmas emoções
Comungávamos as mesmas ideias
Enredados nas mesmas teias
Tecidas de aventuras
Sonho
Fantasia
E futuro
Tanto nós nos amávamos
Tão pr´ximos tínhamos os corações
Que no mais leve pensamento
Percebíamos a presença do outro
E ouvíamos o que o outro dizia
Por mais que fosse a lonjura do afastamento
E o vento
Viesse ele donde viesse
Era seu perfume que trazia
Tão próximo tínhamos os corações
Que bastava um sussuro para ouvir
Um arfar para sentir
Um gesto
Um toque
Um pestanejar
para despertar o desejo
E ter o ensejo de amar
domingo, 27 de julho de 2008
MAIOR TORTURA
Na vida, para mim, não há deleite.
Ando a chorar convulsa noite,
E não tenho nem sombra em que me acoite,
E não tenho uma pedra em que me deite!
Ah! Toda eu sou sombras, sou espaços!
Perco-me em mim na dor de ter vivido!
E não tenho a doçura duns abraços
Que me façam sorrir de ter nascido!
Sou como tu um cardo desprezado
A urze que se pisa sob os pés,
Sou como tu um riso desgraçado!
Mas a minha Tortura inda é maior:
Não ser poeta assim como tu és
Para concretizar a minha Dor!
Florbela Espanca - Trocando olhares
* Como o mesmo título de “A Maior Tortura”, e dedicado “A um grande poeta de Portugal”, este soneto comparece refundido em Livro de Mágoas.
NOIVADO ESTRANHO
O luar branco, um riso de Jesus,
Inunda a minha rua toda inteira,
E a Noite é uma flor de laranjeira
A sacudir as pétalas de luz…
A luar é uma lenda de balada
Das que avozinhas contam à lareira,
E a Noite é uma flor de laranjeira
Que jaz na minha rua desfolhada…
O Luar vem cansado, vem de longe,
Vem casar-se co´a Terra, a feiticeira
Que enlouqueceu d´amor o pobre monge…
O luar empalidece de cansado…
E a noite é uma flor de laranjeira
A perfumar o místico noivado!…
Florbela Espanca - Trocando olhares - 30/04/1917
quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008
COMEÇO ESTE BLOG ASSIM
Que mulher nunca tomouUm fora de querer sumir, Um porre de cair Ou um lexotan para dormir?
Que mulher nunca sonhou Com a sogra morta, estendida, Em ser muito feliz na vida Ou com uma lipo na barriga?
Que mulher nunca pensou Em dar fim numa panela, Jogar os filhos pela janela Ou que a culpa era toda dela?
Que mulher nunca penou Para ter a perna depilada, Para aturar uma empregada Ou para trabalhar menstruada?
Que mulher nunca comeu Uma caixa de Bis, por ansiedade, Uma alface, no almoço, por vaidade Ou, um canalha por saudade?
Que mulher nunca apertou O pé no sapato para caber, A barriga para emagrecer Ou um ursinho para não enlouquecer?
Que mulher nunca jurou Que não estava ao telefone, Que não pensa em silicone Ou que "dele" não lembra nem o nome?
(Autor Desconhecido)