quarta-feira, 15 de dezembro de 2010
Meu Glorioso Pecado II
Quantas horas felizes, quantos dias
nos contemplamos sem jamais trocar
uma frase! - Eu temia... Tu temias...
Mas como era expressivo nosso olhar!...
Nem uma frase! E tantas melodias
no meu, no teu silêncio, no do mar,
no do céu, no das árvores sombrias,
como tudo se amava sem falar!
Trocamos o vocábulo e (oh! tristeza!)
Quantas injúrias, que contradição
nessas palestras de alma em ciúme acesa!
Ah! se mudos ficáramos então,
não profanara o orgulho e a singeleza
das palavras sem voz do coração!
GILKA MACHADO
domingo, 4 de julho de 2010
Sou eu que me visto com noite,
Me deito na terra
E solto uma palavra:
LUA.
Nua,
Sou eu que penteio o mar,
Nos dedos desfaço ondas,
Deste meu disperso cabelo.
ESTRELAS.
É vê-las
Cair sem esperanças de voltar,
Quando estou a chorar
Sonhos acordados
Saudades.
Saudades de ti;
Que ao contrário de mim,
Te vestes com dia
E deitando-te na terra,
Soltas outra palavra:
SOL.
E eu estou do outro lado.
Susana Júlio, in Riscos que ficaram no Tempo, Som da Tinta
Me deito na terra
E solto uma palavra:
LUA.
Nua,
Sou eu que penteio o mar,
Nos dedos desfaço ondas,
Deste meu disperso cabelo.
ESTRELAS.
É vê-las
Cair sem esperanças de voltar,
Quando estou a chorar
Sonhos acordados
Saudades.
Saudades de ti;
Que ao contrário de mim,
Te vestes com dia
E deitando-te na terra,
Soltas outra palavra:
SOL.
E eu estou do outro lado.
Susana Júlio, in Riscos que ficaram no Tempo, Som da Tinta
sexta-feira, 25 de junho de 2010
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
Quais são os escritores que nos enriquecem? Penso que isso é diferente para todos. Penso que lemos muito subjetivamente. Lemos aquilo de que precisamos. Há quase uma força obscura que nos guia para determinado livro numa determinada altura; depois criamos problemas quando tentamos racionalizar isso e dizemos que este escritor é bom e aquele escritor é mau. Nunca fui capaz de dizer isso. Compreende, não posso dizer que Simone de Beauvoir seja má escritora, mas posso dizer que não me enriquece. O que é uma afirmação totalmente diferente. E penso que isso varia muito. Elaborei uma lista de escritoras e dos seus livros que me enriqueceram. Mas não é uma seleção literária. É uma seleção puramente subjetiva e a sua podia ser totalmente diferente. Perguntam-me muitas vezes o que penso acerca de Simone de Beauvoir, o que penso acerca de The Golden Notebook, e é-me sempre difícil responder. Não os considero livros enriquecedores, porque me repetem incessantemente como as coisas estão, mas nunca me mostram como posso mudá-las. Logo, quando Simone de Beauvoir escreve um livro acerca do envelhecimento, ela está a curvar-se à idade cronológica e a dizer que em determinada altura ficamos velhos. Mas nós às vezes ficamos velhos aos vinte anos. A idade é outra coisa que temos de transcender e de encarar com outra atitude. Não é cronológica. E penso o mesmo em relação à descrição de coisas tal como elas são, sem uma abertura que nos diga para onde podemos ir a partir dali ou como podemos transcendê-las, que encontro naqueles que chamo os escritores enriquecedores. É por isso que, quando não estou apaixonada por escritores, digo sempre que posso respeitar as suas ideias, mas que não me dão o sentimento que me empurra para a vida. (Anais Nin)
segunda-feira, 25 de janeiro de 2010
Há dias nos quais o que vale é falar de amor
Os Amantes
Encheram profunda taça e envolveram-se em fervor.
Ficou-lhes na boca — presa ao crescente desejo
de mais beberem, de mais conhecerem — o sabor
da outra Vida maior, onde os levara o ensejo
de ultrapassarem a carne. Em solidão limitados,
num barco sem dia a dia, compromissos ou tratados,
singram velozes sem tempo, definidos pela estrela
que lhes indica, serena e nitidamente, o norte.
Encheram profunda taça e envolveram-se em fervor.
Ficou-lhes na boca — presa ao crescente desejo
de mais beberem, de mais conhecerem — o sabor
da outra Vida maior, onde os levara o ensejo
de ultrapassarem a carne. Em solidão limitados,
num barco sem dia a dia, compromissos ou tratados,
singram velozes sem tempo, definidos pela estrela
que lhes indica, serena e nitidamente, o norte.
Encheram de novo a taça; incha mais a panda vela.
E para serem iguais, apenas lhes falta a Morte!
António Salvado, in "Difícil Passagem"
Eternidade
Ela foi encontrada!
Quem? A eternidade.
É o mar misturado
Ao sol.
Minha alma imortal,
Cumpre a tua jura
Seja o sol estival
Ou a noite pura.
Pois tu me liberas
Das humanas quimeras,
Dos anseios vãos!
Tu voas então...
— Jamais a esperança.
Sem movimento.
Ciência e paciência,
O suplício é lento.
Que venha a manhã,
Com brasas de satã,
O dever
É vosso ardor.
Ela foi encontrada!
Quem? A eternidade.
É o mar misturado
Ao sol.
Arthur Rimbaud
Quem? A eternidade.
É o mar misturado
Ao sol.
Minha alma imortal,
Cumpre a tua jura
Seja o sol estival
Ou a noite pura.
Pois tu me liberas
Das humanas quimeras,
Dos anseios vãos!
Tu voas então...
— Jamais a esperança.
Sem movimento.
Ciência e paciência,
O suplício é lento.
Que venha a manhã,
Com brasas de satã,
O dever
É vosso ardor.
Ela foi encontrada!
Quem? A eternidade.
É o mar misturado
Ao sol.
Arthur Rimbaud
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